Yeda Crusius na casa que comprou logo depois de ser eleita. Numa gravação, o ex-assessor diz que ela teria pago R$ 1 milhão pelo imóvel
Vista de fora, parecia ser uma quarta-feira tranquila para a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB). Ela aproveitava o rigor do inverno gaúcho no conforto do Palácio das Hortênsias, a casa de campo do governo do Estado na cidade de Canela. O clima frio e a paisagem bucólica da Serra Gaúcha sugeriam um dia agradável. Mas não foi. Yeda e mais oito aliados de seu governo foram denunciados por improbidade administrativa pelo Ministério Público Federal (MPF), acusados de participação num esquema que teria desviado R$ 44 milhões do Detran local. Eles são acusados dos crimes de “enriquecimento ilícito, dano ao erário e malferimento aos princípios da administração pública”.
Na denúncia, os procuradores pedem a devolução do dinheiro desviado, a cobrança de multas, a cassação dos direitos políticos por até dez anos e o afastamento dos denunciados de seus cargos públicos. O processo agora será analisado pela Justiça Federal em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Um dos denunciados pelo MPF é Carlos Crusius, ex-marido da governadora.
A denúncia tem como base a Operação Rodin, da Polícia Federal, que por mais de um ano investigou as relações do Detran gaúcho com fundações e empresas prestadoras de serviço. Os procuradores não revelaram as provas que fundamentam a denúncia, pois o caso é mantido em segredo de Justiça. Mas ÉPOCA conseguiu com exclusividade uma amostra do material analisado pelo MPF. São quatro trechos de diálogos entre dois dos principais militantes da campanha eleitoral de Yeda ao governo do Rio Grande do Sul em 2006: Lair Ferst e Marcelo Cavalcante.
Lair Ferst trabalhou na arrecadação de dinheiro do comitê tucano em 2006. Sócio de uma empresa que prestava serviços ao Detran, ele é um dos acusados de corrupção no órgão. Sua empresa perdeu o contrato que tinha no Detran e ele passou a fazer denúncias contra Yeda. Segundo fontes ouvidas por ÉPOCA, Lair fez um acordo de delação premiada com os procuradores e teria fornecido provas de irregularidades na campanha e no governo de Yeda – entre elas, horas de conversas com membros do governo gravadas pelo próprio Lair.
Marcelo Cavalcante também foi um dos coordenadores da campanha de Yeda em 2006. Depois da eleição, trabalhou como chefe da representação do Rio Grande do Sul em Brasília, até ser demitido do cargo após o escândalo do Detran. Em fevereiro, o corpo de Cavalcante foi encontrado boiando no Lago Paranoá, em Brasília. A polícia do Distrito Federal não encerrou o caso, mas trabalha com a hipótese de suicídio. Após sua morte, soube-se que ele atuava como uma das principais testemunhas na investigação contra Yeda. Os trechos das conversas entre Lair e Cavalcante podem ser uma boa pista para elucidar questões que vêm se arrastando há meses sem uma resposta conclusiva. Afinal, houve caixa dois na campanha de Yeda? Dois diálogos fornecem sérios indícios de que houve, sim. Em uma das conversas com Lair, Marcelo Cavalcante fala sobre a SP Alimentação, uma empresa de São Paulo, que fornece merenda escolar e já teve contratos com a prefeitura de Canoas, região metropolitana de Porto Alegre. Segundo diz Cavalcante na conversa, a empresa teria dado uma generosa contribuição à campanha tucana. Não há, porém, registro oficial na Justiça Eleitoral de doações da SP Alimentação para a campanha de Yeda Crusius.
No diálogo, Cavalcante sugere que a intermediação teria sido feita por Chico Fraga, ex-secretário de governo da prefeitura de Canoas, investigado pela PF por enriquecimento ilícito e corrupção. “E o Chico já deixou bem claro que existem diversas possibilidades. Uma delas é que esse valor que ele falou para ti aí”, diz Cavalcante. “Quanto mesmo ele falou?”, pergunta Lair Ferst. “Geralmente é aqui, ó. Em torno de 500 mil. E ele sinalizou positivamente uma empresa lá de São Paulo. SP Alimentos (sic), uma empresa de merenda que trabalha com o governo de São Paulo e tudo...”
A SP Alimentação é investigada pelo Ministério Público paulista por supostas irregularidades em contratos com a prefeitura de São Paulo. A empresa já foi denunciada pelo MPF no Rio Grande do Sul por desvio de R$ 5,6 milhões no fornecimento de merenda escolar para a prefeitura de Canoas. Procurada por ÉPOCA, SP Alimentação afirmou que “não fez qualquer doação para a campanha da governadora em 2006” e que “nenhum de seus funcionários, sócios ou diretores conhece ou manteve contato” com Lair Ferst ou Marcelo Cavalcante.
Ag. RBS
O EX-MARIDO
Carlos Crusius era casado com Yeda. Sua influência na campanha causou discórdia. Ferst diz que Crusius levava sacolas de dinheiro para casa
Outro indício de caixa dois aparece num diálogo entre Marcelo Cavalcante e Lair Ferst sobre uma suposta doação de R$ 60 mil feita pela construtora OAS. A empreiteira também não está registrada como doadora da campanha de Yeda na Justiça Eleitoral. “É o diretor da OAS lá de São Paulo... Aí nós marcamos, ele veio até Porto Alegre, conversou com a governadora e depois conversou comigo e ficou estabelecido que eles entrariam com uma contribuição para a campanha que girou em torno de 60 mil e realmente de fato isso depois chegou”, diz Marcelo Cavalcante.
Não é a primeira vez que o governo de Yeda é atingido por causa de gravações de conversas comprometedoras. No ano passado, o vice-governador, Paulo Feijó (DEM), divulgou diálogos em que o peemedebista Cézar Busatto, ex-chefe da Casa Civil do governo de Yeda, dizia que órgãos como o Detran e o Banrisul, o banco estadual, eram usados como fontes para financiamento de campanha. A divulgação abriu uma crise no governo, forçou a renúncia de Busatto e abalou a aliança que havia eleito Yeda.
O racha na base de Yeda começou ainda na campanha. No primeiro turno, enquanto a candidatura patinava nas pesquisas, Paulo Feijó e Lair Ferst eram os responsáveis por conseguir as doações e tinham dificuldades para sensibilizar os empresários a abrir a carteira. Quando a campanha decolou e ficou nítido que Yeda iria polarizar a eleição com o PT e venceria o segundo turno, o ex-marido Carlos Crusius, então casado com a governadora, se intrometeu nas conversas com doadores. Ele tomou também a frente das negociações para formar uma base de apoio na Assembleia Legislativa. Os grupos de Paulo Feijó e Lair Ferst então perceberam que ficariam de fora do governo gaúcho e prepararam uma retaliação.
Em um dos trechos de diálogos obtidos por ÉPOCA, fica clara a animosidade de Lair Ferst e Marcelo Cavalcante em relação ao ex-marido de Yeda. Cavalcante reclama que Carlos Crusius estaria levando para casa dinheiro de campanha. “Sempre achei muito esquisito que o Crusius vinha lá na sede do partido lá e tal e pegava a sacolinha e deixava em algum lugar e ia embora. Não sei para onde. Acho que para casa, né?”, diz Cavalcante.
A alusão à casa é uma suposta referência a uma mansão adquirida pelo casal Crusius num bairro nobre de Porto Alegre, no final de 2006, logo depois de ter vencido a eleição. Yeda foi acusada de usar sobras de caixa dois de campanha no negócio e de declarar um valor inferior ao imóvel. Ela alega ter pagado R$ 750 mil na casa, mas a oposição divulgou documentos que indicariam que a casa teria sido negociada por um valor maior. Uma investigação sobre a compra da casa foi arquivada pelo Ministério Público estadual, mas uma outra está sendo conduzida pela Procuradoria-Geral da República. Num dos trechos das conversas, Marcelo Cavalcante diz que o negócio pode ter sido fechado por R$ 1 milhão.
Procurado por ÉPOCA, Lair Ferst se recusou a dar entrevista. Seu advogado, Lúcio de Constantino, disse que entrou com ação para que seu cliente responda seu processo no Supremo Tribunal Federal, já que há réus com foro privilegiado no processo. “Estamos nos poupando para no momento certo juntar provas no processo, documentos, papéis e áudios, gravações que deixam clara a inocência do Lair.” A governadora Yeda Crusius também não quis comentar as gravações obtidas por ÉPOCA. Na quinta-feira, na volta da Serra Gaúcha, ela deu uma entrevista em que disse que a denúncia do MPF faz parte de um “circo político”. “São armadilhas, armações. Há uma campanha eleitoral antecipada. Os interessados se organizam. A oposição tem aparelhos montados em todo canto”, disse.
A governadora e seus aliados enxergam nas denúncias sinais da influência do ministro da Justiça, Tarso Genro, que deverá ser o candidato do PT ao governo do Rio Grande do Sul em 2010 e a quem a Polícia Federal está subordinada administrativamente. As ações da PF no Rio Grande do Sul praticamente dissolveram todo o primeiro escalão do governo Yeda. A devassa da Operação Rodin no Detran foi a mais barulhenta, mas não a única. Um pente-fino em contratos de empreiteiras em obras de infraestrutura estaduais, a Operação Solidária, vitimou vários deputados aliados e secretários próximos à governadora. Genro nega qualquer interferência nos trabalhos da PF. Com tanta notícia ruim para Yeda, a última delas nem causou espanto. Na quinta-feira, depois de quase três meses de tentativas, a oposição a Yeda conseguiu finalmente o número de assinaturas suficientes para abrir uma CPI para investigar as denúncias contra a governadora. As agruras políticas de Yeda estão longe de acabar.
Negociações ao pé do ouvido
Trechos de conversas entre Lair Ferst e Marcelo Cavalcante, coordenadores da campanha de Yeda Crusius em 2006, em que eles falam sobre doações, a polêmica compra da casa da governadora e o sumiço de dinheiro da campanha
O DINHEIRO DA OAS
Ag. RBS
MARCELO CAVALCANTE diz que a OAS o procurou para doar R$ 60 mil para a campanha tucana. (Não há registro na Justiça Eleitoral)
Marcelo Cavalcante É o diretor da OAS lá de São Paulo. Esse cara aí saiu do nada. Ele não conhecia o cara. Aí daqui a pouco chegou, das várias ligações que chegaram para mim no comitê, lá na sede do partido, uma ligação dele. E foi até uma ligação insistente, porque eu demorei a dar retorno e tudo, e aí, numa ocasião, falei com ele e ele falou: “Não, nós temos aí obras aí, tá tudo certo. O governo do Rigotto não conseguiu tocar isso aí, entendeu? E nós temos que conversar”. Aí nós marcamos, ele veio a Porto Alegre, conversou com a governadora, e depois conversou comigo, e ficou estabelecido que eles entrariam com uma contribuição para campanha que girou em torno de 60 mil. E realmente de fato isso depois chegou.
R$ 500 MIL DA MERENDA
Ag. RBS
Marcelo Cavalcante conversa com LAIR FERST sobre uma doação de R$ 500 mil da SP Alimentação para a campanha de Yeda. (Não há registro na Justiça Eleitoral)
Marcelo Cavalcante Nós já conversamos assim por cima, e isso aí tem todo conhecimento da governadora também. (...). Volto a repetir: nós não podemos contar com os aliados agora, que não têm nada. Então, vamos sair ali de Canoas. E o Chico já deixou bem claro que existem diversas possibilidades. Uma delas é que esse valor que ele falou para ti aí...
Lair Ferst (Inaudível.)
Marcelo Cavalcante Geralmente é aqui, ó. Em torno de 500 mil. Em torno de 500 mil. E ele sinalizou positivamente uma empresa lá de São Paulo. SP Alimentos, se não me engano, uma empresa de merenda que trabalha com o governo de São Paulo e tudo...
Lair Ferst É, trabalha ali.
O DINHEIRO SUMIU
MARCELO CAVALCANTE E LAIR FERST reclamam do sumiço de dinheiro arrecadado com empresas de Santa Cruz do Sul. Suspeitam que o marido da governadora tenha levado sacolas de dinheiro para casa.
Marcelo Cavalcante Eu sei o seguinte: depois da reunião, aí ficou agendado para ir a Santa Cruz fazer o recebimento do dinheiro. Aí, eu fiquei responsável por definir quem ia arrumar o carro para ir lá buscar. Aí, arrumei o carro e tudo mais. E aí colocamos o Alexandre Moreira, que é da mais alta confiança também da campanha, né? E o Alexandre foi lá e o Capitão Gustavo que era o...
Lair Ferst Ah é, do Zé Otávio (José Otávio Germano, deputado federal do PP).
Marcelo Cavalcante Capitão do Zé Otávio.
Lair Ferst Capitão da Brigada. ...do Zé Otávio.
Marcelo Cavalcante Aí foi lá o Alexandre com o Capitão Gustavo no início da tarde e a informação que tive é que foi tudo certo. Voltaram no final do dia, né? Passaram lá na tesouraria...
Lair Ferst Agora, engraçado, né? O Bordini (Rubens, tesoureiro da campanha e vice-presidente do Banrisul) está dizendo que o dinheiro foi entregue para a Walna (Vilarins Menezes, assessora direta de Yeda).
Marcelo Cavalcante O Alexandre me falou que foi entregue para a Walna e para o Bordini.
Lair Ferst Agora o Bordini tá dizendo que o Crusius levou o dinheiro para a casa da governadora. Se não tem dinheiro para pagar as contas...
Marcelo Cavalcante É como eu estou te falando. Algumas vezes que entrou dinheiro aí, aí eu vou até repetir: lááá no início quando a gente conversava e tudo mais, eu até hoje eu não me esqueço, mas sempre achei muito esquisito que o Crusius vinha lá na sede do partido lá e tal e pegava a sacolinha e deixava em algum lugar e ia embora. Não sei para onde. Acho que para casa né?
A CASA DE R$ 1 MILHÃO
MARCELO CAVALCANTE afirma que a casa da governadora Yeda Crusius foi comprada por R$ 1 milhão. A governadora é investigada pela compra e diz ter pago R$ 750 mil.
Marcelo Cavalcante “Ele (Delson Martini, ex-secretário-geral de governo) comentou pra mim o seguinte, uma vez ele falou: ‘Marcelo, ó, fechamos a compra da casa da governadora’. E, mais ou menos, o que ele havia colocado assim foi que foi de 1 milhão.”
Vista de fora, parecia ser uma quarta-feira tranquila para a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB). Ela aproveitava o rigor do inverno gaúcho no conforto do Palácio das Hortênsias, a casa de campo do governo do Estado na cidade de Canela. O clima frio e a paisagem bucólica da Serra Gaúcha sugeriam um dia agradável. Mas não foi. Yeda e mais oito aliados de seu governo foram denunciados por improbidade administrativa pelo Ministério Público Federal (MPF), acusados de participação num esquema que teria desviado R$ 44 milhões do Detran local. Eles são acusados dos crimes de “enriquecimento ilícito, dano ao erário e malferimento aos princípios da administração pública”.
Na denúncia, os procuradores pedem a devolução do dinheiro desviado, a cobrança de multas, a cassação dos direitos políticos por até dez anos e o afastamento dos denunciados de seus cargos públicos. O processo agora será analisado pela Justiça Federal em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Um dos denunciados pelo MPF é Carlos Crusius, ex-marido da governadora.
A denúncia tem como base a Operação Rodin, da Polícia Federal, que por mais de um ano investigou as relações do Detran gaúcho com fundações e empresas prestadoras de serviço. Os procuradores não revelaram as provas que fundamentam a denúncia, pois o caso é mantido em segredo de Justiça. Mas ÉPOCA conseguiu com exclusividade uma amostra do material analisado pelo MPF. São quatro trechos de diálogos entre dois dos principais militantes da campanha eleitoral de Yeda ao governo do Rio Grande do Sul em 2006: Lair Ferst e Marcelo Cavalcante.
Lair Ferst trabalhou na arrecadação de dinheiro do comitê tucano em 2006. Sócio de uma empresa que prestava serviços ao Detran, ele é um dos acusados de corrupção no órgão. Sua empresa perdeu o contrato que tinha no Detran e ele passou a fazer denúncias contra Yeda. Segundo fontes ouvidas por ÉPOCA, Lair fez um acordo de delação premiada com os procuradores e teria fornecido provas de irregularidades na campanha e no governo de Yeda – entre elas, horas de conversas com membros do governo gravadas pelo próprio Lair.
Marcelo Cavalcante também foi um dos coordenadores da campanha de Yeda em 2006. Depois da eleição, trabalhou como chefe da representação do Rio Grande do Sul em Brasília, até ser demitido do cargo após o escândalo do Detran. Em fevereiro, o corpo de Cavalcante foi encontrado boiando no Lago Paranoá, em Brasília. A polícia do Distrito Federal não encerrou o caso, mas trabalha com a hipótese de suicídio. Após sua morte, soube-se que ele atuava como uma das principais testemunhas na investigação contra Yeda. Os trechos das conversas entre Lair e Cavalcante podem ser uma boa pista para elucidar questões que vêm se arrastando há meses sem uma resposta conclusiva. Afinal, houve caixa dois na campanha de Yeda? Dois diálogos fornecem sérios indícios de que houve, sim. Em uma das conversas com Lair, Marcelo Cavalcante fala sobre a SP Alimentação, uma empresa de São Paulo, que fornece merenda escolar e já teve contratos com a prefeitura de Canoas, região metropolitana de Porto Alegre. Segundo diz Cavalcante na conversa, a empresa teria dado uma generosa contribuição à campanha tucana. Não há, porém, registro oficial na Justiça Eleitoral de doações da SP Alimentação para a campanha de Yeda Crusius.
No diálogo, Cavalcante sugere que a intermediação teria sido feita por Chico Fraga, ex-secretário de governo da prefeitura de Canoas, investigado pela PF por enriquecimento ilícito e corrupção. “E o Chico já deixou bem claro que existem diversas possibilidades. Uma delas é que esse valor que ele falou para ti aí”, diz Cavalcante. “Quanto mesmo ele falou?”, pergunta Lair Ferst. “Geralmente é aqui, ó. Em torno de 500 mil. E ele sinalizou positivamente uma empresa lá de São Paulo. SP Alimentos (sic), uma empresa de merenda que trabalha com o governo de São Paulo e tudo...”
A SP Alimentação é investigada pelo Ministério Público paulista por supostas irregularidades em contratos com a prefeitura de São Paulo. A empresa já foi denunciada pelo MPF no Rio Grande do Sul por desvio de R$ 5,6 milhões no fornecimento de merenda escolar para a prefeitura de Canoas. Procurada por ÉPOCA, SP Alimentação afirmou que “não fez qualquer doação para a campanha da governadora em 2006” e que “nenhum de seus funcionários, sócios ou diretores conhece ou manteve contato” com Lair Ferst ou Marcelo Cavalcante.
Ag. RBS
O EX-MARIDO
Carlos Crusius era casado com Yeda. Sua influência na campanha causou discórdia. Ferst diz que Crusius levava sacolas de dinheiro para casa
Outro indício de caixa dois aparece num diálogo entre Marcelo Cavalcante e Lair Ferst sobre uma suposta doação de R$ 60 mil feita pela construtora OAS. A empreiteira também não está registrada como doadora da campanha de Yeda na Justiça Eleitoral. “É o diretor da OAS lá de São Paulo... Aí nós marcamos, ele veio até Porto Alegre, conversou com a governadora e depois conversou comigo e ficou estabelecido que eles entrariam com uma contribuição para a campanha que girou em torno de 60 mil e realmente de fato isso depois chegou”, diz Marcelo Cavalcante.
Não é a primeira vez que o governo de Yeda é atingido por causa de gravações de conversas comprometedoras. No ano passado, o vice-governador, Paulo Feijó (DEM), divulgou diálogos em que o peemedebista Cézar Busatto, ex-chefe da Casa Civil do governo de Yeda, dizia que órgãos como o Detran e o Banrisul, o banco estadual, eram usados como fontes para financiamento de campanha. A divulgação abriu uma crise no governo, forçou a renúncia de Busatto e abalou a aliança que havia eleito Yeda.
O racha na base de Yeda começou ainda na campanha. No primeiro turno, enquanto a candidatura patinava nas pesquisas, Paulo Feijó e Lair Ferst eram os responsáveis por conseguir as doações e tinham dificuldades para sensibilizar os empresários a abrir a carteira. Quando a campanha decolou e ficou nítido que Yeda iria polarizar a eleição com o PT e venceria o segundo turno, o ex-marido Carlos Crusius, então casado com a governadora, se intrometeu nas conversas com doadores. Ele tomou também a frente das negociações para formar uma base de apoio na Assembleia Legislativa. Os grupos de Paulo Feijó e Lair Ferst então perceberam que ficariam de fora do governo gaúcho e prepararam uma retaliação.
Em um dos trechos de diálogos obtidos por ÉPOCA, fica clara a animosidade de Lair Ferst e Marcelo Cavalcante em relação ao ex-marido de Yeda. Cavalcante reclama que Carlos Crusius estaria levando para casa dinheiro de campanha. “Sempre achei muito esquisito que o Crusius vinha lá na sede do partido lá e tal e pegava a sacolinha e deixava em algum lugar e ia embora. Não sei para onde. Acho que para casa, né?”, diz Cavalcante.
A alusão à casa é uma suposta referência a uma mansão adquirida pelo casal Crusius num bairro nobre de Porto Alegre, no final de 2006, logo depois de ter vencido a eleição. Yeda foi acusada de usar sobras de caixa dois de campanha no negócio e de declarar um valor inferior ao imóvel. Ela alega ter pagado R$ 750 mil na casa, mas a oposição divulgou documentos que indicariam que a casa teria sido negociada por um valor maior. Uma investigação sobre a compra da casa foi arquivada pelo Ministério Público estadual, mas uma outra está sendo conduzida pela Procuradoria-Geral da República. Num dos trechos das conversas, Marcelo Cavalcante diz que o negócio pode ter sido fechado por R$ 1 milhão.
Procurado por ÉPOCA, Lair Ferst se recusou a dar entrevista. Seu advogado, Lúcio de Constantino, disse que entrou com ação para que seu cliente responda seu processo no Supremo Tribunal Federal, já que há réus com foro privilegiado no processo. “Estamos nos poupando para no momento certo juntar provas no processo, documentos, papéis e áudios, gravações que deixam clara a inocência do Lair.” A governadora Yeda Crusius também não quis comentar as gravações obtidas por ÉPOCA. Na quinta-feira, na volta da Serra Gaúcha, ela deu uma entrevista em que disse que a denúncia do MPF faz parte de um “circo político”. “São armadilhas, armações. Há uma campanha eleitoral antecipada. Os interessados se organizam. A oposição tem aparelhos montados em todo canto”, disse.
A governadora e seus aliados enxergam nas denúncias sinais da influência do ministro da Justiça, Tarso Genro, que deverá ser o candidato do PT ao governo do Rio Grande do Sul em 2010 e a quem a Polícia Federal está subordinada administrativamente. As ações da PF no Rio Grande do Sul praticamente dissolveram todo o primeiro escalão do governo Yeda. A devassa da Operação Rodin no Detran foi a mais barulhenta, mas não a única. Um pente-fino em contratos de empreiteiras em obras de infraestrutura estaduais, a Operação Solidária, vitimou vários deputados aliados e secretários próximos à governadora. Genro nega qualquer interferência nos trabalhos da PF. Com tanta notícia ruim para Yeda, a última delas nem causou espanto. Na quinta-feira, depois de quase três meses de tentativas, a oposição a Yeda conseguiu finalmente o número de assinaturas suficientes para abrir uma CPI para investigar as denúncias contra a governadora. As agruras políticas de Yeda estão longe de acabar.
Negociações ao pé do ouvido
Trechos de conversas entre Lair Ferst e Marcelo Cavalcante, coordenadores da campanha de Yeda Crusius em 2006, em que eles falam sobre doações, a polêmica compra da casa da governadora e o sumiço de dinheiro da campanha
O DINHEIRO DA OAS
Ag. RBS
MARCELO CAVALCANTE diz que a OAS o procurou para doar R$ 60 mil para a campanha tucana. (Não há registro na Justiça Eleitoral)
Marcelo Cavalcante É o diretor da OAS lá de São Paulo. Esse cara aí saiu do nada. Ele não conhecia o cara. Aí daqui a pouco chegou, das várias ligações que chegaram para mim no comitê, lá na sede do partido, uma ligação dele. E foi até uma ligação insistente, porque eu demorei a dar retorno e tudo, e aí, numa ocasião, falei com ele e ele falou: “Não, nós temos aí obras aí, tá tudo certo. O governo do Rigotto não conseguiu tocar isso aí, entendeu? E nós temos que conversar”. Aí nós marcamos, ele veio a Porto Alegre, conversou com a governadora, e depois conversou comigo, e ficou estabelecido que eles entrariam com uma contribuição para campanha que girou em torno de 60 mil. E realmente de fato isso depois chegou.
R$ 500 MIL DA MERENDA
Ag. RBS
Marcelo Cavalcante conversa com LAIR FERST sobre uma doação de R$ 500 mil da SP Alimentação para a campanha de Yeda. (Não há registro na Justiça Eleitoral)
Marcelo Cavalcante Nós já conversamos assim por cima, e isso aí tem todo conhecimento da governadora também. (...). Volto a repetir: nós não podemos contar com os aliados agora, que não têm nada. Então, vamos sair ali de Canoas. E o Chico já deixou bem claro que existem diversas possibilidades. Uma delas é que esse valor que ele falou para ti aí...
Lair Ferst (Inaudível.)
Marcelo Cavalcante Geralmente é aqui, ó. Em torno de 500 mil. Em torno de 500 mil. E ele sinalizou positivamente uma empresa lá de São Paulo. SP Alimentos, se não me engano, uma empresa de merenda que trabalha com o governo de São Paulo e tudo...
Lair Ferst É, trabalha ali.
O DINHEIRO SUMIU
MARCELO CAVALCANTE E LAIR FERST reclamam do sumiço de dinheiro arrecadado com empresas de Santa Cruz do Sul. Suspeitam que o marido da governadora tenha levado sacolas de dinheiro para casa.
Marcelo Cavalcante Eu sei o seguinte: depois da reunião, aí ficou agendado para ir a Santa Cruz fazer o recebimento do dinheiro. Aí, eu fiquei responsável por definir quem ia arrumar o carro para ir lá buscar. Aí, arrumei o carro e tudo mais. E aí colocamos o Alexandre Moreira, que é da mais alta confiança também da campanha, né? E o Alexandre foi lá e o Capitão Gustavo que era o...
Lair Ferst Ah é, do Zé Otávio (José Otávio Germano, deputado federal do PP).
Marcelo Cavalcante Capitão do Zé Otávio.
Lair Ferst Capitão da Brigada. ...do Zé Otávio.
Marcelo Cavalcante Aí foi lá o Alexandre com o Capitão Gustavo no início da tarde e a informação que tive é que foi tudo certo. Voltaram no final do dia, né? Passaram lá na tesouraria...
Lair Ferst Agora, engraçado, né? O Bordini (Rubens, tesoureiro da campanha e vice-presidente do Banrisul) está dizendo que o dinheiro foi entregue para a Walna (Vilarins Menezes, assessora direta de Yeda).
Marcelo Cavalcante O Alexandre me falou que foi entregue para a Walna e para o Bordini.
Lair Ferst Agora o Bordini tá dizendo que o Crusius levou o dinheiro para a casa da governadora. Se não tem dinheiro para pagar as contas...
Marcelo Cavalcante É como eu estou te falando. Algumas vezes que entrou dinheiro aí, aí eu vou até repetir: lááá no início quando a gente conversava e tudo mais, eu até hoje eu não me esqueço, mas sempre achei muito esquisito que o Crusius vinha lá na sede do partido lá e tal e pegava a sacolinha e deixava em algum lugar e ia embora. Não sei para onde. Acho que para casa né?
A CASA DE R$ 1 MILHÃO
MARCELO CAVALCANTE afirma que a casa da governadora Yeda Crusius foi comprada por R$ 1 milhão. A governadora é investigada pela compra e diz ter pago R$ 750 mil.
Marcelo Cavalcante “Ele (Delson Martini, ex-secretário-geral de governo) comentou pra mim o seguinte, uma vez ele falou: ‘Marcelo, ó, fechamos a compra da casa da governadora’. E, mais ou menos, o que ele havia colocado assim foi que foi de 1 milhão.”
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