Exonerado ontem do comando da PM sob acusação de desvio de dinheiro público, Antônio Cerqueira pode ser detido preventivamente para que, segundo o promotor Mauro Lima, não destrua provas ou intimide testemunhas do processo
Denunciados por peculato pelo MP, comandante-geral da PM e dois oficiais são afastados e viram alvo de pedido de prisão preventiva. Luiz Sérgio Lacerda assume hoje a corporação
Em solenidade nesta manhã, o coronel Luiz Sérgio Lacerda, atual subsecretário de Operações da Secretaria de Segurança Pública, assumirá o comando-geral da Polícia Militar do Distrito Federal. O novo chefe da corporação vai substituir o coronel Antônio Cerqueira, que encaminhou carta ao governador José Roberto Arruda (DEM) com pedido de exoneração da função. Cerqueira e dois outros oficiais da PM, os coronéis Nildo João Fiorenza e Antônio Carlos de Souza, são alvo de um pedido de prisão preventiva protocolado ontem pelo promotor de Justiça Mauro Faria de Lima. O argumento é de que eles poderão destruir provas e intimidar testemunhas, com prejuízo à instrução criminal na denúncia em que são acusados de crime de peculato, previsto no Código Penal Militar.
Na ação, também protocolada ontem, conforme antecipou o Correio, o Ministério Público do Distrito Federal afirma que os três oficiais são responsáveis por um suposto desvio de R$ 919,6 mil de contrato de manutenção de carros da Polícia Militar do DF com a Nara Veículos, concessionária exclusiva da Mitsubishi em Brasília. Antes de enviar a carta a Arruda, Cerqueira exonerou os coronéis Fiorenza e Antônio Carlos, respectivamente das funções de chefe do Centro de Inteligência (CI) e diretor de Finanças da PM. Além desses oficiais, o promotor incluiu na denúncia outros quatro integrantes da cúpula da corporação. O crime, com pena de três a 15 anos de reclusão, teria sido praticado entre março de 2008 e abril de 2009.
Auditoria militar
A denúncia foi protocolada ontem, no Tribunal de Justiça, e será julgada por um juiz da Auditoria Militar. Geralmente, o juiz que recebe o caso demora entre três e cinco dias para analisar se aceita ou não a denúncia e o pedido de prisão preventiva. O promotor argumentou que o pedido de prisão é imprescindível. “O MP apenas cumpre a lei. Requeri a prisão deles porque poderão interferir na apuração dos fatos, seja apresentando provas simuladas, seja fazendo desaparecer arquivos com as provas necessárias”, justificou. Ele sustenta que a PM usou notas fiscais falsas para atestar serviços que não teriam sido prestados pela concessionária.
Durante a investigação, o promotor descobriu que um mesmo veículo, a viatura 1643, passou pela oficina da Nara Veículos cinco vezes entre 31 de outubro e 20 de dezembro. Os reparos descritos nas notas fiscais custaram ao poder público R$ 24.587.78. O curioso, conforme destacou o promotor, é que alguns dos consertos se repetiram. Em 31 de outubro, o veículo passou pelo serviço de alinhamento, elétrica, mecânica e tapeçaria no valor de R$ 5.694. Trinta e oito dias depois, em 8 de dezembro, novo alinhamento, serviços elétricos e mecânicos, na suspensão, e retífica do disco ao custo de R$ 1.831,50. Nesse período, houve reparo na tapeçaria pelo menos três vezes. “Não é possível que aceitemos isso como normal. Se o coronel (Antônio Cerqueira) não sabia de tudo, é incompetente para a função. Não deveria ser nem coronel, muito menos comandante da PM”, declarou.
Mauro Faria disse ontem que não poderia fazer acordo com o GDF para evitar o pedido de prisão. No início da semana, ele chegou a se reunir com o governador Arruda e outros integrantes do governo para conversar sobre o conteúdo e as motivações da denúncia. Arruda pediu ao promotor que evitasse apresentar a ação penal até hoje, para que as acusações contra o comando da PM não atrapalhassem a solenidade de comemoração dos 200 anos da corporação. No encontro, na residência oficial de Águas Claras, o promotor de Justiça disse que a exoneração de Cerqueira seria suficiente para impedir a contaminação do processo e, por esse motivo, não pediria a prisão dos três oficiais caso eles deixassem os cargos. Apesar do afastamento deles, o promotor apresentou o pedido ontem.
A denúncia foi motivo de outras reuniões no governo. Arruda voltou a convidar o promotor para uma outra conversa na noite de quarta-feira, logo depois da entrega de condecorações na PM. Mauro Faria recebeu uma medalha de Cerqueira, que a essa altura já sabia da ação e do pedido de prisão. O promotor, no entanto, não quis mais conversar sobre o caso. “Eu não tinha mais nada para conversar com o governo. Estou totalmente sozinho nesse caso, mas cumpro meu dever”, afirmou.
Além de integrar a equipe do secretário de Segurança, Valmir Lemos, o novo comandante-geral da PM foi assessor do general Cândido Vargas de Freire, ex-titular da pasta. Lacerda também comandou seis unidades da PMDF. Entre elas, a cavalaria e o 3º Batalhão (Asa Norte).
Outros processos
A Polícia Militar do Distrito Federal enfrenta uma série de escândalos, em função de investigações do Ministério Público, que, em um ano, provocaram a queda de dois comandantes-gerais.
Edson Ges/CB/D.A Press - 20/8/08
Condenados impunes
O coronel Antônio José Serra Freixo assumiu o comando da PMDF em 12 de janeiro de 2007 e foi exonerado em 12 de março de 2008. O governador José Roberto Arruda tomou a decisão após ser informado do relatório da Promotoria de Justiça Militar do DF em que Serra é acusado de acobertar PMs envolvidos em crimes. A denúncia do MP indicava que, de 16.756 policiais militares, 1.276 (7,6%) eram acusados de envolvimento em delitos. Pelo menos oito foram julgados e condenados pela Justiça Militar em 2007, mas Serra decidiu mantê-los na instituição.
Em causa própria
Serra também foi acusado de improbidade administrativa. Segundo o MP, ele teria usado homens e carros da PM na construção da casa onde mora, no Condomínio Solar da Serra (Lago Sul). Os promotores exibiram até fotos mostrando carros da polícia entrando no residencial.
Balas demais
Em março de 2009, a Promotoria de Justiça Militar apresentou denúncia contra o coronel Serra, o coronel Gilberto Alves de Carvalho, ex-chefe do Estado Maior da PMDF, e contra outros três policiais militares. A acusação é de compra irregular de munição em 2007. Segundo a denúncia, os PMs armaram esquema para gastar quase R$ 9 milhões do Fundo Constitucional. O dinheiro foi usado para pagar 4,3 milhões de projéteis .40 para armas da corporação. Para não perder o dinheiro do Fundo Constitucional, o chefe do Estado-Maior na época, coronel Gilberto, fez o pedido da munição, que, segundo levantamento do MP, é quase cinco vezes maior do que a quantidade de projéteis usados nos quatro anos anteriores à compra, de 2003 a 2004, quando foram usados 976 mil cartuchos de munição .40.
Serviços não realizados
O coronel Antônio Cerqueira (foto), comandante-geral da PMDF, que havia assumido o cargo após a queda de Serra, foi afastado ontem com o coronel Fiorenza, do Centro de Inteligência, e o coronel Antônio Carlos de Sousa, da Diretoria de Finanças. O promotor Mauro Faria sustenta que eles desviaram, entre março de 2008 e abril de 2009, R$ 919,6 mil em proveito da Nara Veículos, concessionária da Mitsubishi em Brasília. Segundo a denúncia, a PMDF e a Nara apresentaram notas fiscais falsas para atestar serviços mecânicos não realizados e justificar o repasse de dinheiro à concessionária do empresário Marcos Cardoso, candidato a senador pelo PFL na última eleição.
O promotor Mauro Faria de Lima disse nunca ter sofrido tanta pressão em 18 anos de carreira
O coronel Antônio Cerqueira não só pediu a exoneração do comando-geral da Polícia Militar “em caráter irrevogável e irretratável”, como também decidiu entrar para o quadro de reserva remunerada da corporação. Em carta entregue ao governador José Roberto Arruda, ele argumentou que a decisão foi tomada como forma de evitar a exposição da Polícia Militar e do governo. Num dos trechos, ele escreveu: “Pelo respeito e orgulho que sinto de ser um policial militar e, ainda na condição de dirigente maior no âmbito desta organização, não posso permitir que essa briosa força policial tenha a imagem maculada por qualquer de seus integrantes, inclusive seu comandante-geral”.
A crise no comando da PM é parte de uma guerra interna, iniciada no começo do ano passado com a exoneração do coronel Antônio José Serra Freixo do comando-geral. Ele havia sido indicado pelo secretário de Transportes, Alberto Fraga, que é coronel da reserva da PM. A substituição de Serra por Cerqueira, oficial que não sofre a influência de Fraga, deixou aliados do ex-comandante incomodados. As primeiras denúncias contra Cerqueira são atribuídas ao grupo de Serra. O oficial, inclusive, foi arrolado pelo promotor de Justiça Mauro Faria de Lima como testemunha de acusação.
Relatos de supostas irregularidades no contrato com a Nara Veículos de manutenção das caminhonetes L200 foram feitos por meio de cartas anônimas dirigidas a Mauro Faria. Outros ataques a Cerqueira foram encaminhados diretamente à Auditoria Militar. A denúncia contra o comandante da PM também provocou crise no Ministério Público. Mauro Faria disse ontem em entrevista coletiva que nunca recebeu tanta pressão em 18 anos de carreira. “Recebi pedidos em nome de tudo. Só em nome da moralidade pública e da honestidade não ouvi nenhum pedido”, afirmou. Questionado pelos jornalistas a respeito de onde partiram os pedidos, Mauro disse: “O Bandarra (procurador-geral de Justiça), a posição dele foi em nome da boa convivência do MP com o governo. O Nísio (promotor Militar Nísio Tostes), foi em nome da boa convivência com a PM”.
Bandarra negou que tenha exercido qualquer tipo de pressão sobre o colega do MP. Ele só teria pedido que o promotor evitasse o ajuizamento da ação no dia da festa de 200 anos da PM. Nísio Tostes e o promotor Paulo Gomes, da Promotoria Militar, afirmaram que o problema é de natureza jurídica. “O Dr. Mauro nunca ficou sozinho, sempre teve o apoio dado por nós. Só não concordamos com o posicionamento jurídico dado por ele aos fatos. Se, por causa disso, ele sentiu-se só, não podemos fazer nada. Ademais, não concordamos que o MP fosse utilizado em brigas internas na PMDF”, afirmaram Nísio e Gomes em nota enviada ao Correio.
Revisões preventivas
Proprietário da concessionária Nara Veículos, Marcos Cardoso disse que sua empresa acabou se envolvendo no meio de uma crise na Polícia Militar. Ele sustenta que fez pelo menos três revisões preventivas em cada uma das 56 caminhonetes L200 e também fez reparos normais nos veículos, levando-se em conta que as picapes eram de “uso severo” e em “condições adversas” no policiamento ostensivo. “Não houve nada de irregular. Construí uma empresa que paga impostos, emprega muita gente e nunca me interessou prestar serviços ao governo. Esse contrato significa menos de 0,5% do meu faturamento anual”, afirmou ao Correio. De acordo com o empresário, o promotor de Justiça deveria ter feito uma perícia nos carros para atestar se, de fato, os serviços foram prestados.
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