quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Lula, o filho do Brasil terá o maior orçamento da história do cinema nacional


Antes de chegar às telas, a obra sobre a vida do presidente já é um sucesso. Empresas privadas devem colocar R$ 16 milhões na produção, um recorde


.PAU DE ARARA

Uma das cenas iniciais de Lula, o filho do Brasil, no Agreste de Pernambuco. Glória Pires (à esq.) faz dona Lindu, mãe de Lula

Dez meses antes do lançamento, previsto para janeiro de 2010, o filme Lula, o filho do Brasil já pode ser considerado um marco do cinema nacional. Não pelas qualidades artísticas da obra, julgamento que caberá ao público e aos críticos assim que o longa-metragem estrear, mas por sua audaciosa engenharia de financiamento, sucesso sem precedentes na história da indústria cinematográfica brasileira.

Dirigido por Fábio Barreto, o filme vai contar a história do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da infância miserável no Agreste de Pernambuco ao início de sua carreira sindical, no ABC paulista. A obra é baseada na única biografia oficial do presidente, escrita nos anos 90 pela jornalista e historiadora Denise Paraná. A novidade é que o filme deverá ser inteiramente rodado sem receber um centavo de dinheiro público.

Segundo os produtores Luiz Carlos Barreto, o Barretão, e Paula Barreto (pai e irmã de Fábio), não há verbas de governos ou estatais nem patrocínios vinculados às leis de incentivo, aqueles em que o apoiador paga menos imposto depois de financiar a produção. Ainda assim, segundo eles, o filme deverá bater o recorde de captação de dinheiro para uma produção 100% nacional: R$ 16 milhões, tudo bancado exclusivamente por empresas privadas. Dos filmes brasileiros, o mais caro de que se tem notícia é 2 filhos de Francisco, de 2005, que custou R$ 13,5 milhões em valores corrigidos, 40% disso captado por meio de leis de incentivo.

“Estamos fazendo esse filme porque Lula é um herói”, diz o diretor Fábio Barreto. “O povo brasileiro precisa conhecer a história de seus heróis. A ideia é humanizar o mito.” O empresariado aparentemente entendeu o recado e, apesar da crise, aderiu de forma maciça ao projeto. Os Barretos não fornecem a lista de financiadores. Dizem que os contratos não permitem a divulgação antes da estreia.

Após entrevistar outros profissionais do mercado, concorrentes e patrocinadores tradicionais, A revista Época identificou pelo menos dez empresas que se comprometeram com a superprodução. É uma seleção de peso do Produto Interno Bruto. Todas estão entre as maiores de seus setores. São elas: AmBev, Camargo Corrêa, Embraer, GDF Suez, Nestlé, OAS, Odebrecht, Oi e Volkswagen. O empresário Eike Batista, do Grupo EBX, também faz parte da lista. Ele fez questão de deixar registrado que o apoio, neste caso, é da pessoa física.

O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), onde Lula aprendeu o ofício de torneiro mecânico nos anos 60, está estudando a possibilidade de apoiar a produção. A instituição é vinculada à Confederação Nacional da Indústria, atualmente presidida pelo deputado federal Armando Monteiro Neto (PTB-PE), primo do ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro.

Das dez empresas, oito confirmaram o patrocínio. A Embraer e a OAS não responderam. Eike Batista foi o único que revelou o valor do investimento: R$ 1 milhão. As cotas de patrocínio variam de R$ 1 milhão a R$ 2 milhões. Algumas empresas terão o logotipo exposto no cartaz do filme, na abertura e nos créditos finais. Outras serão beneficiadas por um instrumento de propaganda chamado Product Placement. O método é descrito da seguinte forma no site da LC Barreto, a produtora de Barretão: “Uma ferramenta que insere produtos no filme, de forma inteligente e integrada à ficção. Esta forma de merchandising mantém o nível de realismo do filme, levando os produtos aos espectadores de maneira natural, sem se desviar do contexto da história”.

Apesar de já ter conseguido um bom elenco de apoiadores, a busca por verbas continua. Dos R$ 16 milhões orçados, os produtores já captaram R$ 9 milhões. “É o suficiente para as filmagens”, diz Paula. “Ainda estamos atrás de R$ 3 milhões para finalização e outros R$ 4 milhões para divulgação. Posso dizer que o ritmo de arrecadação vai bem.” A promessa aos patrocinadores é de um filme com o mesmo sucesso de público de 2 filhos de Francisco, que contou a história da dupla sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano e atraiu 5,3 milhões de pessoas. “Vamos partir desse patamar”, diz Barretão.

Decidir fazer um longa-metragem sem um real de dinheiro público é uma medida inusitada no Brasil. “Fizemos desse jeito para evitar qualquer insinuação de favorecimento”, diz Paula Barreto. De acordo com os dados da Agência Nacional do Cinema, dos 89 filmes scom mais de 15 mil espectadores produzidos no Brasil entre 2005 e 2007, apenas dois não receberam dinheiro público e não solicitaram autorização para usar leis de incentivo. Um foi Casseta e planeta – seus problemas acabaram. O outro foi Acredite, um espírito baixou em mim, adaptação quase amadora de uma peça de Belo Horizonte. “Fizemos sem recurso algum. Os atores abriram mão do próprio cachê”, diz o ator e produtor Maurício Canguçu.

As empresas resolveram apoiar o filme sobre Lula por acreditar no potencial da produção ou porque o personagem principal é o atual presidente da República? Ninguém admite que o motivo do patrocínio esteja associado a alguma tentativa de angariar simpatias oficiais, mas essa é uma pergunta que inevitavelmente vai acompanhar toda a trajetória do filme. Os produtores também negam que estejam usando a figura do presidente como atração extra para buscar financiamento ou bajular o Planalto. “As pessoas ficam falando que estamos fazendo esse filme para endeusar o Lula. Não é isso. Ele já tem 84% de popularidade, e um filme não vai fazer diferença alguma”, diz Barretão.

Com 80 anos de idade, 45 de carreira no cinema e 83 filmes no currículo, Barretão é um dos personagens mais polêmicos da história do cinema nacional. Boa parte do sucesso financeiro de Lula, o filho do Brasil pode ser creditado a sua experiência como produtor e à desenvoltura com que circula no poder. Nos anos 70, com Dona flor e seus dois maridos, ele se tornou o maior produtor de cinema do Brasil. O filme, dirigido por Bruno Barreto, seu filho, é até hoje o campeão de público do cinema nacional, com 10,7 milhões de espectadores. No mesmo período, Barretão começou a colecionar inimigos. Ganhou fama de lobista pela proximidade com os políticos. A acusação mais comum era a de acesso privilegiado às verbas da extinta Embrafilme, estatal que fomentava as produções nacionais.

A vida de Barretão também é digna de filme. Nascido em Sobral, Ceará, ele enfrentou a pobreza na infância e acabou abandonado pelo pai, que fugiu de casa e nunca mais deu notícias. Na adolescência, Barretão migrou para o Rio de Janeiro para escapar de perseguições políticas no Ceará, onde militava em grupos de esquerda. Depois de trabalhar como fotógrafo para a revista O Cruzeiro, atuou como coprodutor no filme Assalto ao trem pagador, em 1961, e nunca mais deixou o cinema.

A promessa é de 5 milhões de espectadores. Os três últimos filmes de Fábio, juntos, tiveram menos de 600 mil

“Lula, o filho do Brasil é o projeto mais ambicioso da minha vida”, diz Barretão. Os números da produção confirmam. São mais de 60 locações em São Paulo e Pernambuco, figurino de época para mais de 200 pessoas por dia de gravação, frotas de carros anos 50, 60, 70 e 80, mais de 3 mil figurantes e 118 atores. O roteiro prevê desabamentos, cenas de inundação e um comício para milhares de pessoas num estádio. A inundação retrata um período da vida de Lula em que sua casa, na periferia de São Paulo, era frequentemente atingida por enchentes. Foi filmada numa vila cenográfica construída dentro de um lago. No caso do comício, foram usados 600 figurantes e um software que, multiplicando as imagens, “lotou” as arquibancadas.

O ator que faz Lula adulto é Rui Ricardo Diaz, de 30 anos, ainda pouco conhecido do grande público. Depois de interpretar o presidente no começo de sua carreira sindical, Rui passou dez dias num spa para emagrecer sete quilos e viver um Lula um pouco mais jovem. Há um staff médico que o acompanha desde o início das filmagens. É formado por um fisiologista, um nutricionista e um psicólogo. O objetivo é não correr riscos. O primeiro ator selecionado para fazer o papel de Lula, Tay Lopes, deixou o projeto por problemas de hipertensão. Ele não teria como trocar de peso na velocidade exigida.

Além de Rui, mais dois atores interpretam Lula: Felipe Falanga, de 8 anos, e Guilherme Tortolio, de 14. A atual primeira-dama, Marisa Letícia, será vivida por Juliana Baroni. A mais conhecida do elenco é Glória Pires, que trabalha com o clã Barreto desde o início de sua carreira. A atriz vai interpretar dona Lindu, mãe de Lula, morta em 1980 quando seu filho estava preso pela ditadura.

Entusiasmados, os Barretos planejam até uma minissérie na TV. “Um filme de duas horas não conta tudo o que essa história merece”, diz Fábio. “Daria para fazer um filme para cada trecho da vida de Lula.” A ideia é inspirada nos exemplos de Carandiru e Cidade de Deus, que depois viraram séries independentes. “Já falei com uma emissora”, diz Paula, sem dar detalhes.

Apesar de ter conversado com Lula durante três horas, Fábio não deverá acrescentar detalhes desconhecidos a respeito da vida do presidente. “Conversei com ele mais para confirmar algumas passagens da história. Li trechos do roteiro, mas ele logo pediu para parar. Ficou emocionado”, diz.

O otimismo dos Barretos e dos patrocinadores contrasta com o desempenho das últimas obras dirigidas por Fábio. Desde O quatrilho (1995), que teve 1,1 milhão de espectadores e uma indicação para o Oscar, nenhum outro filme do diretor obteve grande público. Bella dona (1998), A paixão de Jacobina (2002) e Nossa Senhora de Caravaggio (2007) tiveram, juntos, menos de 600 mil espectadores.

Um dos temores é que o filme de Lula vire uma peça de propaganda política. Faz sentido colocar nas telas uma ficção dramática sobre um político em pleno exercício do mandato? Ainda mais em ano de eleição? Para o cineasta Paulo Sérgio Almeida, diretor da consultoria Filme B, a mais respeitada do setor, faz sentido sim: “Com qualquer outro personagem, em qualquer outro país, um filme assim teria tudo para ser um panfleto chapa branca. Mas com Lula é diferente. Primeiro porque todos que leram a biografia a acham excelente. Segundo porque a tragédia original da história do presidente é completamente inusitada.”

Denise Paraná, a autora da biografia, diz que sonha com um filme assim desde 1993, quando fez as entrevistas para o livro. “Eu ia ouvindo o Lula e seus irmãos e percebia que aquilo era cinema puro”, diz. Para Denise, que assina o roteiro com Daniel Tendler e Fernando Bonassi, a história tem força porque resume problemas crônicos da história recente do país: “Um irmão de Lula teve doença de Chagas. O pai era alcoólatra. A família viajou para São Paulo quando o país vivia o maior movimento migratório interno do planeta. A mulher e o filho morreram na maternidade. Tudo isso é muito Brasil”, diz. Após a posse, Denise foi procurada duas vezes por produtores estrangeiros interessados no projeto. “O Lula sempre topou o filme, mas não queria que fosse feito pelos gringos.” Agora, a história de Lula vai para as telas com todos os requintes nacionais de uma superprodução.



SUPERPRODUÇÃO


No alto, o ator Rui Ricardo como Lula num comício em São Bernardo. Acima, Frei Chico, irmão do presidente, entre Fábio e Luiz Carlos Barreto. Ao lado, a cena da inundação numa vila cenográfica feita dentro de um lago

3 comments:

Anônimo disse...

Parabéns, nós brasileiros comuns merecemos nos vermos na telona.

Cloaca News disse...

Parabéns pelo belo trabalho, Milena! E bem-vinda à trincheira da contra-informação. Somos seus aliados. Seu blog acaba de ser incluído em nossa seleta lista de links. Abraços!

Anônimo disse...

Que maravilha, parabéns Barretão e todas as empresas que contribuem para a realização do filme. Lula merece, o Brasil merece, nós merecemos saber mais da história desse líder, desse presidente que está mudando (pra muito melhor) a vida dos brasileiros!

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