domingo, 27 de setembro de 2009

Agentes do ex-Dops vigiaram Lula e Serra

Durante 16 anos, em meio à euforia da abertura democrática, arapongas da polícia de São Paulo espreitaram José Serra, Franco Montoro, Mário Covas, Aloysio Nunes Ferreira, Michel Temer, d. Claudio Hummes, Luiz Inácio Lula da Silva e outras lideranças políticas, sociais e religiosas. A vigilância clandestina foi exercida intensamente - cada passo, cada gesto, cada palavra dos alvos era merecedor de registro - e prevaleceu por todo o período entre março de 1983 e maio de 1999.

O segredo dos espiões estava lacrado havia uma década em grandes caixas de papelão empilhadas no Arquivo Público do Estado. Elas escondiam acervo de 1.286 pastas com dados pessoais e temáticos, 52.875 fichas remissivas, documentos expedidos por repartições oficiais, relatórios de ações investigativas, materiais apreendidos e robusta coleção de recortes de jornais da época. As fichas são de papel cartolina, formato retangular, e nelas os agentes datilografaram suas impressões e anotações acerca de cada autoridade. Também batiam fotos, em preto e branco, de reuniões sindicais, movimentos populares e manifestações.

O núcleo de arapongas era formado por investigadores e delegados, incluindo veteranos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) - artífice dos porões que Franco Montoro (PMDB) extinguiu no início de 1983, pouco antes de sua posse no governo de São Paulo. Montoro chegou ao Palácio dos Bandeirantes pela via do voto direto, respaldado na bandeira das liberdades e do respeito aos direitos humanos. O arbítrio vivia o seu ocaso, as ruas ferviam por Diretas Já. Em março daquele ano, o peemedebista montou o Departamento de Comunicação Social (DCS). Mal podia imaginar que ele próprio, governador dos paulistas, seria espiado por sua criação.

Ao DCS não foi conferida autonomia ilimitada, muito menos o poder desmedido da polícia política, mas o decreto 20.872/83, que lhe deu forma e definiu suas atribuições e competências, era um tanto vago, confuso até. O novo departamento alojou traços da intolerância em suas divisões e um pessoal vocacionado para a bisbilhotagem, que se sentia legitimado por texto ambíguo.

O DCS instalou-se discretamente no 15º andar do Palácio da Polícia, na Luz, com a missão de "planejar, controlar e coordenar a coleta, processamento e difusão de informação social, e o relacionamento interno e externo da Polícia Civil". Na prática, virou quase uma réplica do Dops debaixo do nariz dos democratas - eles os alvos preferenciais. O departamento restabeleceu a era dos relatórios secretos, virou fábrica de dossiês.

O procedimento dos arapongas marca contradição histórica. Por que e a quem serviam exatamente não se sabe. O governo federal ainda estava nas mãos dos generais - e só por mais dois anos, até 1985. Mas, em São Paulo e em muitos outros Estados, já havia chegado a democracia. O ritual se arrastou até 1999, quando Mário Covas (PSDB), governador já em segundo mandato, foi alertado e de pronto tomou duas medidas - pôs um fim na repartição e ordenou a lacração de todos os registros. A papelada foi removida para um salão no terceiro andar do Arquivo Público, em Santana, desde 2007 vinculado à Casa Civil do governo, pasta dirigida por Aloysio.

Há duas semanas, uma equipe técnica deu início à pesquisa da relíquia. O trabalho leva a assinatura de Carlos de Almeida Prado Bacellar, coordenador do Arquivo e professor do Departamento de História da USP. Sua meta inicial é montar um banco de dados digital. Depois, todo o acervo será microfilmado. Não é tarefa simples. Os peritos tentam decifrar senhas, palavras abreviadas e algarismos. "Temos que entender a lógica dos códigos", diz Bacellar. "É o primeiro desafio. Não se trata aqui de codificação de arquivistas, é coisa de polícia."

Nos anos 80, ainda estudante, Bacellar também foi às ruas. Em meio às multidões que pediam "eu quero votar para presidente", ele montava uma barraquinha e oferecia camisetas que fizeram sucesso porque no peito e nas costas traziam desfeita aos militares. "Direita volver, Diretas vou ver." "Vendia como água", recorda-se o professor. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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